Assistente editor: Hugo de Aguiar

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o ataúde da lei



a lei – exulta e arquitecta o ataúde
extrai-se do seu assento pitoresco
ambígua – tal o fumeiro sem lume
a quem oferece um baú sentado

nascida dos restos mortais do esturro pardo
a lei aponta para o obituário
a promessa da morte na face do suposto
a vida longa e clara ao amante sem fumo

percorrida até aos rins como um fado preto
- quão ingrata é a vida que o vate esconde
na ponta do cigarro de anel doirado
sabendo que quando morrer - só vai deitado

ferool

Poema para a obra " Construção em L de, Henrique Tigo

Nota: O texto foi construído para notificar a lei europeia sobre o fumo (proibição de fumar ) que aborra o autor do texto, o quadro do pintor apenas serviu de suporte para a ideia do poema.

a criação do universo



tem olhos de cristal e braços de fogo
uma imagem difusa que excita o caos

na véspera tinha cozinhado um tempo
agora queria dar-lhe o espaço

a matéria em fusão queima as mãos do arquitecto
onde dormem as leis do aforismo

o arquitecto mergulha no imo do nada
no amalgama de barbas angustiantes
e as lança o mais longe que pode

formula a densidade com geometria de esperança
num sublime arremesso único

depois volta para o nada
esperando que o universo - o crie

ferool

Poema para a obra " A criação do Universo de, Ruy Siqueira

o repasto dos anjos, natureza morta de Armando David



antes do dilúvio
a frugal ceia dos anjos
veleja num céu de mel

seres transparentes
sentados num lençol azul
saboreiam as uvas e a romã
natureza viva com linhas de génio

o ar está parado
e os ágapes divinos
criados por lei panegírica
levitam para o reino dos ascetas

a pimenta da vida evola-se
antes do aluvião

ferool

metamorfose



andou na areia
em noite feia
com medo do mar

e então um serpeio
de mar engoliu
e nada sentiu

e o seu revés
teceu as marés
e ficou sereia

sentada na areia
de corpo meia
com rabo e sem pés

fernando oliveira

Poema para a obra " Sereia com Arco-Iris de, Armando David

seca e desertificação




é longe
o caminho do pasto

a boca do horizonte mira-se na secura
dum sol misterioso e cruel

o instrumento verte apenas uma lágrima
que não atinge os traços da sede
a humidade da modernidade
é parca e rústica

a terra emagreceu

o animal exilou-se
para prados de gordos prantos

Fernando Oliveira

Poema para a obra " Seca e desertificação de, Henrique Tigo